Uma gaveta é uma espécie de sítio arqueológico. Quanto mais fundo cavamos, mais aparecem coisas antigas que ali jazem esquecidas. É por isso que é muito difícil para mim arrumar uma gaveta. Estou quase a meio caminho da tarefa quando me surpreendo com algo, papel ou coisa mais sólida, que me faz parar no tempo e no tempo mesmo regressar.
Hoje mesmo, revolvendo a primeira gaveta da cômoda em busca de qualquer coisa, dei de cara com dois objetos que custei a adivinhar a serventia. Um deles era uma espécie de moeda marcada por dois sulcos paralelos. Entre os dois sulcos, estava cunhada a palavra “local”. Acima deles, constava o número 1994. No verso, apenas um sulco dividia a moeda. No hemisfério superior estava escrito “Sistema Telebrás”. No inferior estava uma logomarca sugerindo um antigo telefone. Um pouco de paciência me lembrou a serventia do tal objeto. Era uma ficha telefônica para ser inserida nos aparelhos distribuídos em pontos estratégicos da cidade quando se queria fazer uma ligação local.
O outro objeto me exigiu mais tempo para identificá-lo. Era uma espécie de broche vermelho, em forma de estrela, vazado em branco com as letras “PT”. Fiquei um bom tempo com o pequeno objeto nas mãos, até que me veio uma vaga lembrança de um tempo de esperança em que muitas pessoas iam às ruas vestindo camisas e empunhando bandeiras com aquela cor e aquelas letras.
Devolvi os dois objetos inúteis à gaveta e ali eles ficarão até que venham os arqueólogos de um sistema solar distante vasculhar o que sobrou de nossa estúpida civilização. Se um deles achar minha gaveta, vai ter muito o que matutar sobre as coisas estranhas que dormem ali. Quando cruzar alguns dados de sua pesquisa, vai ficar querendo saber qual seria a pessoa para quem não telefonei. Vai também querer saber o destino da esperança que aquela estrela representava. Da pessoa, ele não terá resposta. Da esperança, vai voltar muito triste quando souber do seu destino.
Um comentário:
Gostei imenso desta postagem.
é triste, sim, muito!
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