Eu avisei que não valia a pena. Mas Robinson e Patrícia insistiram e lá fomos nós visitar o ponto mais oriental das américas. Eles tinham ido lá há mais de dez anos e ainda nutriam a esperança de rever as maravilhas que feriram suas jovens retinas: a imponência da falésia, a praia ensombrada de coqueiros. Eram essas imagens que meus amigos queriam deixar nos olhos de suas filhas Marina e Cacau, como marca indelével de sua estada entre nós.
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Mas a incúria dos homens é inexorável. E as maravilhas da Ponta do Seixas não escaparam à incúria dos homens. A fúria natural das águas solapa a falésia e avança indiferente sobre coqueiros e barracos favelizados que fazem as vezes de bares. Homens e mulheres de olhares perdidos procuram alguma coisa que já não está mais ali. Bebem cerveja barata e mal gelada, ouvem um arremedo de música e fazem de conta que se divertem. Como agravante, soma-se a rapina das terras da União pelos vastos muros eletrificados que privatizam o pouco de praia que resta do avanço do mar.
As marcas dolorosas deixadas nas retinas dos amigos foram mitigadas pela visita à imponência arquitetônica da Estação Ciência e pelo deslumbre dos arrecifes de Picãozinho. Mas onde quer que estivessem, a imagem feia insistia na memória, estragando o passeio.
Fazia muito tempo que não andava por aquelas bandas. Não me dá prazer nenhum ver ou mostrar às minhas visitas o resultado de décadas de descaso com o bem público. E se lá de cima, no mirante do farol, com a vista perdida no mar grande, ocorre sempre a idéia da proximidade com a África, é impossível evitar a comparação com os séculos de maus-tratos infligidos ao povo e ao chão do continente do qual nos separamos.
É muito ruim, chega a ser doloroso, em meio a tanta coisa bonita pra mostrar, ter que expor aos olhos ávidos de beleza de Marina e Cacau, essa ferida que nos enfeia as costas.
Um comentário:
Ronaldo,
O lado bom dessa ferida que nos enfeia as costas é a conscientização... É o olhar com responsabilidade que nos salva.
Uma semente plantada dá sombra para muitos. Quem sabe, Marina e Cacau não saem daqui com a lição de casa feita. As futuras gerações agradeceriam. Sonhar não custa nada!
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