A partir de certa idade, o que mais nos faz perder tempo é o que chamo de desvio de função. Esclareço. Se eu estiver indo em direção à cozinha pegar um copo d’água, não me peçam para apagar ou acender uma luz. Daí eu posso ver se o portão lateral está fechado, depois vou aguar as plantas e depois me sentar no terraço para terminar de ler o jornal. Somente aí é que vou me lembrar que estou com sede. E saio de novo em direção à cozinha na esperança de que não me peçam para apagar ou acender nenhuma luz.
Quando ainda não existia internet, um dos meus passatempos preferidos era varar as noites pulando de livro em livro das minhas estantes, assunto puxando assunto, num exercício de livre associação que sempre acabava num texto que me espantava e às vezes servia de inspiração para um poema ou um conto. Mesmo que andasse à deriva pelas prateleiras, nenhum contratempo me desviava do meu intento. Estava ali para flanar. E flanava.
Hoje, a própria internet me bota em desvio de função. Quando me sento na frente do computador para escrever um texto, não me furto à tentação de dar uma olhada no e-mail. Daí vou ler as páginas dos jornais, depois, às vezes, vou ver como está o rombo na conta bancária. Quando me lembro do motivo pelo qual abri o computador, já perdi no mínimo uma hora em desvio de função.
Agora, se juntar os labirintos virtuais em que me perco, com os desvios de rota pelos cômodos da casa, sobra-me muito pouco tempo para as coisas objetivas. Vocês não imaginam quanta coisa aconteceu ao meu redor enquanto me preparava para escrever esta crônica. Comecei em casa, ontem de noite, e estou terminando ao meio-dia, na redação do jornal. Juro que não aconteceu nada de extraordinário de lá pra cá. Apenas me pediram para apagar a luz do corredor, quando eu ia pegar um copo d’água na cozinha.
Um comentário:
justo isso! Mundo grande, gente demais. Contrariando os gregos- tudo em excesso!
Um dia inventam um GPS pra gente!
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