09 março 2010

Solidão e morte

Fazia três anos que o velho senhor não pagava o condomínio de um pequeno prédio em Asnières, na periferia de Paris, onde morava só, em um pequeno apartamento. Coisa estranha, pois era um bom pagador, indo pessoalmente todo mês ao escritório do síndico honrar o seu débito. Depois de não receber resposta a nenhuma carta de cobrança, o síndico percorreu a vizinhança em busca de informações sobre o septuagenário. Ninguém o tinha visto há um bom tempo. Impedido de violar as áreas privadas do prédio, o síndico recorreu a um especialista em genealogia para localizar a família do desaparecido. Existia, sim, um irmão, mas esta também não via o velho homem há muito tempo. Acionada, a polícia arromba o apartamento e encontra o cadáver do morador em total estado de decomposição.
Este é apenas mais um caso de pessoas que morrem sozinhas sem que ninguém dê por sua falta. O fato é comum, principalmente em cidades da Europa. Durante a onda de calor que em 2003, só na França, matou mais de 13 mil pessoas, a grande maioria de idosos, mais de mil famílias não se apresentaram para recuperar o corpo de seus parentes. Foi preciso a intervenção do governo para que algumas centenas de familiares assumissem o enterro de seus mortos.
A morte solitária e anônima é um dos sintomas mais graves do comportamento individualista a que somos incentivados pela economia neoliberal. A luta fraticida pelos recursos escassos faz com que esqueçamos os nossos laços sociais. Amigos, parentes, vizinhos, conterrâneos, toda e qualquer categoria que antes nos animava à convivência afetuosa ou apenas cordial, são agora uma ameaça à nossa sobrevivência. Tornaram-se estrangeiros ao círculo mínimo do meu mínimo eu.
Daí que cada vez mais vamos envelhecer sozinhos. E quanto mais nos isolarmos em nosso individualismo, maior será nossa chance de sermos encontrados mortos em nossos cubículos, sem que ninguém dê por nossa falta.


Ilustração: Fábio Cavalcanti

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei. Bela reflexão acerca do individualismo e do sistema social que nos aprisiona a todos, até que morramos solitários. Seus textos possuem uma lírica objetiva__existe isso? rs__e é um grande prazer a sua leitura.
Um abraço, Sílvia.