04 março 2010

A outra de mim


Tenho muito medo da mulher. De seus abismos, do seu silêncio. E nem era pra ter. Fui criado por minha mãe e duas tias, com duas irmãs de lambuja. Devia, pois, desde o berço, estar acostumado ao modo de ser feminino. Com suas sombras, com seus segredos. Devia estar, mas não estou. E quanto mais vivo, mais me assombro com seus mistérios, com seus bruxedos.


Tenho mulher e duas filhas, uma nora, três netas e várias sobrinhas. Tenho muitas amigas. Minha casa é impregnada pela alma feminina. Passei décadas da minha vida ensinando a classes formadas por grande maioria feminina. Oitenta por cento de minha clientela também é formada por mulheres. Já era tempo, vocês hão de pensar, de não mais me espantar com o feminino. Mas isso, no meu fraco entender, é impossível.


Não depende da idade nem de qualquer atributo físico. A mulher, toda mulher, traz consigo um quinhão de estranheza que resiste a qualquer tentativa de tradução. Inclusive por elas mesmas. É esta face obscura, que nos olha do outro lado da fronteira de um país estrangeiro, que nos lança o desafio permanente da decifração. Com a decorrente ameaça de devoramento, é claro.

Desde menino guardo a imagem dessas alegres esfinges, em cochichos, rabos de olhos, meneios de cabeça, finalizados pela risada cabulosa que me tinha por alvo. Pobres de nós, os meninos, indefesos, encabulados, batendo em retirada para longe daquele exercício incipiente do maldoso mistério a que ficamos a mercê pelo resto da vida.

Com uma porção tão grande de estranheza, dá pra entender porque a mulher é alvo de tanta violência. Poucas pessoas suportam conviver com a diferença. Principalmente com essa diferença radical que o feminino representa.

Eu, que tenho por fardo a obviedade masculina, sou grato àquela que me põe cotidianamente em frente ao seu mistério. Essa outra de mim, que me ensina a conviver com meus abismos, com meus escuros.
Ilustração: Gustav Klint.

2 comentários:

Angela disse...

Talvez algumas mulheres possam ter percepção semelhante dos homens, não acha?

ELAINE ERIG disse...

Wonderful text, I think you are very brave.