12 outubro 2009

O outro lado

Não tenho qualquer vocação para Polyanna e sei muito bem no que deu a fé inabalável de Anne Frank na bondade humana. Não é, portanto, de bondade que quero falar. É de um impulso muito mais primitivo na constituição do ser humano que o leva a arriscar a própria vida em defesa da vida de um semelhante. É algo ligado à preservação da espécie, valor mais alto do que a preservação do indivíduo.
O exemplo mais recente deste aspecto radical do comportamento humano foi dado pelos protagonistas do salvamento de uma mulher prestes a ser carregada com a sua moto numa enxurrada, na cidade de São José do Rio Preto, em São Paulo.
Quem viu as cenas pela televisão pode constatar o caráter impulsivo do comportamento dos voluntários. O próprio termo “voluntário” aqui se torna inadequado, pois não se trata de um tomada de decisão consciente, a partir da vontade individual. É um imperativo irrevogável que não considera os riscos da ação. Existe um semelhante em perigo e não cabe mais nada a fazer senão salvá-lo.
Estamos tão habituados às notícias sobre a violência entre os homens que somos levados a ver a nossa espécie como essencialmente destinada à destruição dos vínculos entre os semelhantes. É preciso que algo se eleve à condição trágica para que possamos ver a manifestação do instinto gregário que nos faz ainda resistir como espécie.
Não tenho, já disse, qualquer vocação para Polyanna, nem acredito incondicionalmente na bondade humana. Mas é muito bom ser lembrado, de vez em quando, que existe um instinto básico na minha espécie que permite um mínimo de esperança na construção de uma convivência solidária.

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