Eu fui fazendo vista grossa, deixando para a semana que vem e de repente minha casa virou um inferno de pequenos defeitos.
Comecemos pelo muro da frente e vamos contando pela ordem dos cômodos. O interruptor da campanhinha estava quebrado pela enésima vez, pois um maluco dá um murro nele toda vez que lhe é negada uma esmola. O portão automático estava fora do trilho, com a fechadura emperrada e uma das placas magnéticas danificada. Na certa tentaram arrombá-lo. Na área de serviço, a máquina de lavar, uma torneira e uma telha transparente esperavam conserto. Na cozinha, o gelágua parecia ter queimado o motor. O micro de apoio só ligava quando bem queria. O aparelho de ar condicionado do quarto estava com o compressor furado.
Podem não acreditar, mas esta revolta geral das coisas se concentrou numa única semana. O suficiente para deixar claro quem manda aqui em casa.
Tem pra mais de trinta anos que escrevi um poema sobre o poder que as coisas têm sobre nós. Veja que coisa singela:
O direito das coisas
meus óculos
meu relógio
minha caneta
minha maquina de escrever
meu carro
meu copo gravado com meu nome.
meus livros
meus discos
meu toca-discos
minha calça listrada
meus tamancos
minha carteira profissional.
as coisas a que pertenço
exercem sobre mim o seu direito
dando-me forma e movimento
determinando o que sou
mantendo a ilusão de que são minhas.
Quando escrevi o poema, não tinha a menor idéia do que me esperava pela frente. As coisas ainda disfarçavam a sua ascendência sobre mim. Hoje, elas jogaram suas máscaras fora. Exercem abertamente sua tirania e não perdoam qualquer tentativa de insubordinação.
imagem obtida em: casa.hsw.uol.com.br
2 comentários:
Olá Ronaldo,
realizo uma pesquisa no doutorado sobre a Internet como espaço para criação literária. Gostaria de enviá-lo um questionário. Para qual e-mail devo enviar?
Grata,
Carol Coelho
olcoelhope@hotmail.com
Fantástico.
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