Conheço um
homem que se angustia com os relógios em que o ponteiro dos segundos desliza
sem marcar os intervalos. Um comichão interpretativo me leva a supor que essa
angústia decorre do nosso desamparo frente à transformação contínua do presente
em passado, sem nos deixar a ilusão de que, por um breve momento, o tempo
repousa nos traços dos segundos.
É para fugir
da agonia frente a este fluxo constante que dividimos o tempo em fatias e vamos
fingindo que o devoramos, enquanto, na realidade, é ele que nos consome goela
abaixo.
E assim
inventamos as horas, os dias, anos, séculos e milênios na tentativa de nos
defendermos da pequenez da nossa existência. Com isto podemos nos enfronhar no
passado e projetar no futuro, fugindo dos limites da mediocridade do presente.
É isto que nos leva a procurar ancestrais ilustres em nossas árvores
genealógicas e imaginar uma vida gloriosa para nossos descendentes. É uma forma
plausível de nos tornarmos eternos.
Aqui estamos,
de novo, brincando de eternidade. Diz o calendário que mais uma vez iniciamos
um ano novo. Mesmo sabendo que isto é apenas uma convenção, necessitamos deste
repouso do tempo em que algo passa definitivamente e algo desconhecido avança
ao nosso encontro. É neste intervalo que nos juntamos aos nossos antepassados e
caminhamos rumo às gerações descendentes. Como o homem que se angustia com o
correr contínuo do ponteiro dos segundos, precisamos fatiar o tempo para criar
a ilusão da eternidade. E com isso inventar alguns momentos de felicidade.