O médico demorava a chegar e a conversa corria solta na sala de espera. Os velhos temas de sempre. O trânsito, a violência, o rápido passar do tempo. Aí, uma senhora disse suspirando: minha gente, já é Natal novamente. Parece que foi ontem que desmontei a decoração lá de casa. Perdi de vez a concentração no romance que tentava ler e voltei meus ouvidos para a conversa. Todos foram unânimes em concordar. O ano passara voando.
Não consigo imaginar como um ano voa, mas tenho que concordar: o ano passou voando. Meu gesto inaugural de ano novo é o momento solene em que passo o primeiro cheque do ano. A caneta treme na mão, devido ao esforço para não escrever o número do ano passado. E parece que foi ontem que paguei a feira de verduras e frutas com o primeiro cheque de 2010.
Mas não foi só este ano que passou voando. Pra mim, passa voando a vida inteira. Faz um pouquinho de tempo que eu era menino. Caçava lagartixas com baleadeira, brincava só, transportando formigas no meu avião de baquelite dourado, trocava tiros de espoleta com meu irmão. Indagorinha mesmo era rapaz. Ouvia os Beatles, Caetano, Chico e Gil. Bebia com os amigos, varava madrugadas escrevendo versos ruins. Foi quase ontem que casei, tive filhos, comprei um fusca.
Ainda procuro conceber a imagem do tempo voando. Teria asas, o tempo? Viajaria de primeira classe nos aviões? Acredito que não. Ainda prefiro a velha imagem do tempo como um rio. Um rio que nos pega de manhã e nos entrega quando chega a noite. Um rio com suas corredeiras, suas cachoeiras, suas enchentes gordas de tempestades. Algumas vezes manso, de águas frescas e margens sombreadas. Mas sempre um rio que devemos aprender a respeitar e aceitar as surpresas do seu percurso. Um rio que passa à revelia do nosso enfado, estejamos quebrando pedras, escrevendo crônicas ou jogando conversa fora nas salas de espera dos consultórios.
Um comentário:
Ah, o tempo! Esse passageiro em trânsito que me leva para longe de mim... Quando fui ao seu encontro, ele me disse que eu estava verde, quando me pensei, madura, ele zombou das minhas certezas.
Preciso de um pouco mais de tempo para ousar o que ainda não fiz, mas ele se nega, zomba das minhas vontades, brinca com as minhas certezas e quando me dou conta, está partindo sem que eu possa lhe dizer o tanto que aprendi.
Ah, Ronaldo, esse rio que corre, bem que poderia nos dar outra oportunidade para mudar as regras e virar o jogo da vida, que sempre começa quando está terminando...
Obrigada, pela partilha! Sempre que venho aqui, aprendo um pouco mais sobre a arte de viver.
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