Almeidinha - o herói de paletó
Um folhetim burocrático
Almeidinha
não quis deixar para amanhã a conversa com Padre Guido. Saiu do trabalho na
hora de sempre, amarrotou o paletó no ônibus apertado e desceu no ponto mais
próximo da igreja. Ainda faltava tempo para a missa das sete, as portas da
igreja estavam fechadas. Mas na pequena casa paroquial ali nos fundos as luzes
deram as boas vindas a Almeidinha, uma das mais antigas ovelhas do rebanho de
Padre Guido.
A
beata que atendeu foi logo abrindo a porta, gritando para a sala de jantar que
o padre tinha uma visita importante. O padre bonachão limpou as bochechas com
um guardanapo de linho e mandou que o amigo se achegasse, jantasse com ele
enquanto levavam uma prosa. O que traz o amigo à minha humilde casa?
Os
olhos do visitante se encheram de lágrimas, a beata se enfurnou na cozinha e padre
Guido insistiu: o que se passa com você, Almeidinha? Deve ser coisa muito
séria...
Depois
de ouvir toda a história do computador e da proposta imoral do Dr. Pacheco,
padre Guido afastou a xícara para o centro da mesa, alisou com as duas mãos o
guardanapo dobrado em sua frente e começou a falar com voz firme e pausada:
-
Meu caro Almeidinha, acho que já é tempo de você deixar de ser um capacho e
tomar uma atitude firme na sua vida. Tanto na repartição, com esse tal de Dr.
Pacheco, quanto em sua casa, com aquela sua mulher. O senhor sabe o que é ser
capacho, não sabe? É deixar todo mundo pisar e esfregar os pés em você. Deixe
esse Dr. Pacheco se arrebentar, que ele deve estar com medo de que todos os
seus podres apareçam junto com este caso do computador. Quanto à sua mulher,
essa Sandra, você precisa botar um freio nela. Todo mundo sabe que ela não pára
em casa. E garanto que na minha igreja é que ela não bota os pés. Procure saber
por onde ela anda, seu Almeidinha. Procure saber onde fica uma tal de Ilha de
Lesbos. O senhor sabe quem foi Safo, seu Almeidinha, a dona da ilha de Lesbos
original, lá na Grécia antiga? Procure saber, amigo Almeidinha, assim o senhor
fica sabendo melhor quem é a mulher que se diz sua esposa.
Vendo
a cara petrificada do seu amigo, seus olhos secos olhando para lugar nenhum, o
corpo tremendo de cima a baixo, Padre Guido sentiu que tinha exagerado. Mas
aquilo tinha que ser dito. E melhor que fosse por ele do que por qualquer outra
pessoa da rua. Mesmo assim, tinha que fazer qualquer coisa para tirar seu amigo
daquela prostração.
-
Mudando um pouco de assunto, meu amigo, sabe quem passou por aqui e perguntou
por você? Luana, você se lembra? Aquela rechonchudinha que estudou com você no
primário da Escola Paroquial. Aquela que parecia ter as juntas de manteiga e
todo mundo ficava espantado quando ela dançava o frevo nas festas da paróquia.
Se lembra não, Almeidinha? Vocês pareciam tão unidos. Até na hora do recreio
vocês ficavam juntos pelos cantos da quadra.
Almeidinha se lembrava, sim. Se
lembrava principalmente do cheiro que ela tinha depois que jogava vôlei na aula
de educação física. Agora ele sabia quem era a verdadeira dona do cheiro que o
perseguia. Dona Jackeline era apenas uma impostora que fazia uso indevido do
cheiro de Luana.
- Pois
bem, continuou Padre Guido, ela passou por aqui querendo saber por onde andavam
seus antigos colegas. Perguntou especialmente por você. Disse que sempre teve
uma simpatia especial pela sua pessoa. Disse até que pensou em namorar um dia
com você. Mas veio aquela enxerida da Sandra e roubou você dela. Aí eu disse que
sabia onde você morava, mas ela não queria se encontrar com você junto com a
falsa da Sandra. Prefere ir ver você no trabalho, onde na certa vão poder conversar
mais à vontade. Ela vai ficar mais alguns dias na cidade. Disse que ia tirar um
tempinho para visitar você na repartição.
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