Almeidinha - o herói de paletó
Um folhetim burocrático
Já é
tempo de retomarmos os passos do nosso herói indo em direção ao trabalho para
um dia que, ele sabe, não será dos mais tranqüilos. Ele sabe que terá de
enfrentar o olhar curioso dos colegas que, mais do que uma justificação para a
falta, querem é um bom motivo para levá-lo ao mais alto nível da exasperação. O melhor mesmo é passar ao largo dos dois,
dar um bom dia coletivo e se dirigir ao birô no fundo da sala. Ficaria sentado
sem conseguir se concentrar no trabalho até que o Dr. Pacheco entrasse triunfante pela sala, com
sua peruca, seu andar de rei e os olhos semicerrados. Almeidinha tinha medo de
não resistir ao esporro do chefe. Talvez, chorasse, talvez desmaiasse, talvez
saísse correndo apertado em direção ao banheiro. Onde já se viu, um funcionário
exemplar como ele faltar um dia inteiro de trabalho?
Mas
quando Dr. Pacheco entra, passa por Almeidinha com um sorriso que parece de
alívio. Cumprimenta festivamente o funcionário e pede para que ele vá
imediatamente à sua sala.
Almeidinha
levanta-se de um salto e se apressa em atender o chamado do chefe. Mas quando
passa pelo birô de Dona Marli, esta o adverte misteriosamente: cuidado, seu
Almeidinha. Muito cuidado com o que o senhor vai dizer.
Dr.
Pacheco recebe Almeidinha de pé, dizendo que sentiu muito a falta do seu melhor
funcionário. Convida-o para sentar, pigarreia e começa a explicar que no dia em
que você faltou, meu bom Almeida, a
repartição recebeu uma visita surpresa da comissão do patrimônio da Secretaria.
Descobriram a falta do seu computador e deram um prazo de quarenta e oito horas
para a máquina aparecer. Acontece, meu bom Almeida, que o computador não está mais na minha casa. Minha
filha, a Suellen, você conhece a
pobrezinha, tinha levado o computador para a casa de um amiguinho da escola e
nunca mais trouxe ele de volta. Parece que depois do trabalho as crianças
resolveram beber alguma coisa e essa alguma coisa tinha se derramado sobre a
torre do computador, causando um curto-circuito. O que lhe peço, Almeidinha,
pelo amor de Deus, é que você assuma a
responsabilidade pela perda do computador. Eu mesmo já tomei a ousadia de
adiantar ao pessoal do patrimônio que você tinha levado o computador para casa,
para adiantar uns trabalhos da repartição. Basta apenas que o velho amigo
confirme essa história. Depois você inventa uma outra história que justifique
um curto-circuito no computador. Você pode ter derramado uma xícara de café no
teclado. Tenho certeza, Almeidinha, que o pessoal do patrimônio será
compreensivo. Eu ajeito as coisas para você. No máximo, no máximo, você recebe
uma repreensão simples. Tenho certeza de que o meu amigo Almeidinha não me
faltará numa hora tão vexatória.
Almeidinha
estava a ponto de ceder ao discurso manhoso do chefe. Sua boca já se preparava
para dizer sim, Dr. Pacheco, será uma honra, Dr. Pacheco, quando ouviu a porta
da sala se abrir com certa pressa. Era Dona Marli que entrava com dois copos
d’água que não haviam sido pedidos. Dr. Pacheco olhou para ela com raiva, mas
não deixou transparecer para Almeidinha. Dona Marli não se importou com a expressão
do chefe, virou-se de costas para ele para que não visse a careta esquisita que
fazia para a pobre vítima, como quem diz cuidado com o que vai dizer.
Almeidinha
fica olhando para o chão enquanto espera Dona Marli bater a porta. Levanta os
olhos com dificuldade e com a voz trêmula pediu que o Dr. Pacheco lhe desse um
dia para pensar. Surpreso com a ousadia do subordinado, o chefe controla a
raiva e diz que tudo bem, ele acredita na amizade e no bom senso do Almeida velho
de guerra.
Almeidinha
sai cambaleando da sala e se surpreende com os dois colegas que esperam por
ele. Ciço, o contador, diz que já sabem de tudo. O Dr, Pacheco está com os dias
contados. Sua transferência já pode ser dada como certa. Ele está somente
querendo livrar a cara no negócio do computador, jogando a culpa no Almeidinha.
Seja homem, Almeidinha. É o Joel, o escriturário, que o repreende. Pela
primeira vez na sua vida, haja como homem. Os dois colegas não entendem quando
Almeidinha sorri. Mas só ele sabe que a primeira vez que agiu como homem tinha
sido na noite passada, quando obrigou sua senhora a dormir no sofá. Não ia
custar muito ser homem por uma segunda vez. Mas, por via das dúvidas, ia antes
falar com Padre Guido.
Imagem obtida em webalternativa.blogspot.com
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