A última
segunda-feira me deixou dois mortos. Um se chamava Eduardo. Outro se chamava
Günter. Eram meus amigos. Conviviam comigo em minha casa. Por isso os tratava
pelos primeiros nomes. Talvez se eu disser seus sobrenomes, vocês se lembrem
deles. O primeiro é Galeano. O segundo, Grass.
Não sei se
vocês ainda se lembram do intelectual de suvaco. Era o cara que, para onde
fosse, carregava um livro debaixo, é claro, do suvaco. Mesmo que não lesse o
livro, o seu porte era uma espécie de senha com a qual se identificava com a
turma nas intermináveis conversas no bar, nas sessões de cinema de arte, nas
reuniões calorosas dos diretórios estudantis.
Num certo período da década de setenta, “As veias abertas da América
Latina” foi um item obrigatório nos mais ilustres suvacos da juventude
brasileira. À medida em que se passaram
os anos, seu texto ficou menos furioso, sua prosa ficou mais amigavelmente
solidária com o sofrimento dos homens, seus livros puderam, enfim, abandonar a
região anatômica inconveniente e abrirem-se confortavelmente por mãos mais
maduras.
Günter Grass
veio bem mais tarde. Já me pegou casado, pai de filhos, com um lugar
confortável para ler em casa. Não li “O tambor”, mas vi o filme, numa sessão de
arte do Hotel Tambaú, de saudosa memória. Meu livro de entrada no pensamento
desse intelectual pesado, considerado a consciência moral da Europa, foi “O
Linguado”, seguido de “A ratazana”. Foi a leitura de Günter Grass que me
reavivou a esperança socialista. Sua crítica feroz aos erros históricos
revolucionários sempre foi acompanhada por um feixe de esperança na
reconstrução dos valores humanos. Sua leitura nos ensina a não desistir do
futuro.
Eduardo e
Günter. Mais dois amigos que me deserdam de suas companhias. Minha biblioteca
continuará rica com a permanência dos seus livros. Mas a humanidade se
empobrece sem a lucidez das suas vozes.
Foto: Ivan de Paula
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