Almeidinha - o herói de paletó
Um folhetim burocrático
Pela
primeira vez na sua vida, Almeidinha acordou atrasado para ir trabalhar. Viu
que já passava das oito, mas não se apressou. Deixou a mulher ferrada no sono,
fez um café forte que bebeu acompanhando um pão com margarina. Só então vestiu
o paletó e saiu lentamente em direção ao ponto do ônibus.
Bom
dia, seu Almeidinha. Era a voz de Dona Marli, num tom mais amável do que o de
costume. A porta da sala do Dr. Pacheco estava aberta, mas ele não estava por
trás da mesa.
Não
se preocupe, seu Almeidinha. O senhor não precisa mais responder nada ao Dr.
Pacheco. Ontem mesmo, depois que ele saiu, eu mesma telefonei para a Comissão
de Patrimônio e contei tudo que sabia sobre as falcatruas dele, inclusive o
negócio do computador. Hoje de manhã telefonaram para ele, pedindo que
comparecesse imediatamente na sala da Comissão. Uma colega de lá me informou
que ele foi afastado do cargo, estando proibido de voltar aqui até que sejam
esclarecidas todas as suspeitas que pesam nos ombros dele. Inclusive uns
negócios meio nebulosos que ele mantém junto com aquela Jackeline, numa certa
boate chamada Ilha de Lesbos.
Almeidinha
ouviu sem acreditar o que Dona Marli tinha contado. Ficou parado em frente à
mesa dela, sem saber o que iria fazer. De certa forma, estava decepcionado. Durante
todo o percurso de vinda para a repartição havia ensaiado a melhor maneira de
dizer não ao Dr. Pacheco de maneira que ele não ficasse furioso e o ameaçasse
com uma suspensão. Levou mais tempo ainda pensando em como agir no caso do Dr.
Pacheco insistir para que assumisse a culpa pelo desaparecimento do computador.
Estava aliviado, sim, mas não podia evitar uma certa decepção. Perdeu a
primeira oportunidade de mostrar que não era mais um capacho.
Foi
só então que se deu conta de que não tinha mais ninguém na repartição. Dona
Marli percebeu o seu espanto e explicou que logo no início do expediente, o
Ciço pediu transferência para outra repartição onde pudesse ser mais útil. O
Joel, com sua eterna dor nas costas, foi procurar uma junta médica que adiante a
sua aposentadoria por invalidez. E ela, Dona Marli, ia tirar uma licença para
tratamento de saúde. Precisava fazer uma plástica no nariz e uma lipo que lhe
devolvesse a cintura.
Almeidinha
parou para pensar na falta de delicadeza dos colegas. O Ciço não podia ter ido
embora sem agradecer todas as vezes em que sacrificou a hora do almoço para
pagar suas contas. E o Joel precisava se desculpar por ter se encostado o tempo
todo, com a eterna desculpa da dor nas costas.
Então,
era isso. Nenhuma gratidão, nenhum pedido de desculpa, nenhum aperto de mão de
despedida depois de tantos anos de favores e sobrecarga de trabalho. Almeidinha
então se dá conta de que todos ali o tinham feito de capacho o tempo todo.
Somente Dona Marli parecia ter alguma consideração com ele. Mas quando caiu em
si, Dona Marli estava de pé, com a bolsa a tiracolo, impaciente com a sua
presença em frente de sua mesa.
O
senhor me desculpe, seu Almeidinha, mas eu tenho mais o que fazer. E se o
senhor encontrar outra vez com a tal da Jackeline, diga a ela que pode ficar
com o Dr. Pacheco só pra ela, agora que ele não tem mais a gratificação de
chefia.
Dona
Marli disse isso já caminhando em direção à porta. Sem se voltar, jogou as
chaves da repartição em cima da mesa e disse que agora ele era o dono de tudo
aquilo. E foi embora sem olhar para trás.
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