Um folhetim burocrático
04 - Almeidinha e a santa missa
Acho
que já disse aqui: sou católico praticante. Não faço nada aos domingos antes de
ir à missa. Nem café eu tomo. Minha senhora também é católica, mas bem menos
fervorosa do que eu. Só uma vez perdida é que se lembra de ir na missa. É que
eu fui criado dentro de igreja. Minha mãe ia todas as noites rezar o terço com
as amigas e sempre me levava junto. Eu era bonzinho, ia sem reclamar, diferente
dos meus irmãos que fugiam perto da hora do terço começar. Quando fiquei mais
crescidinho, o padre me escolheu para ser coroinha. Eu me achava importante com
aquela bata alvíssima, enchendo a igreja com a fumaça branca do incenso no
turíbulo.
Só
tenho pena mesmo de não ter pegado o tempo da missa em latim. Minha mãe
dizia que era uma coisa linda, parecia que Deus estava falando diretamente com
os devotos. Como lembrança de minha mãe, guardo o seu velho missal escrito em
latim e fico pensando como devia ser bom responder a missa na própria língua de
Deus.
Hoje
não tem mais latim, nem turíbulo, nem coroinha. A missa virou uma
esculhambação, o povo fazendo zoada com umas músicas parecidas com pagode e
sertanejo. E tome de bater palmas e dar vivas a Jesus, como se ele fosse um
artista de televisão.
Teve
um tempo que minha mãe inventou que eu devia ir estudar no seminário. Tudo o
que pedia a Deus era ter um filho padre. Chegou até a falar com Padre Guido,
mas ele disse que ninguém ia mais pra seminário não. Quem quisesse ser padre
tinha que fazer vestibular para o curso de teologia. Minha mãe não gostou, pois
ela queria mesmo era me ver vestido de batina, trancado no seminário, longe dos
pecados do mundo. Nunca mais tocou no assunto. Eu não gostei nem desgostei. Ia
ser meio ruim ter que estudar aquilo tudo que se ensinava nos seminários. Minha
cabeça sempre foi meio fraca e eu não queria deixar de usar paletó.
Hoje,
sempre que Padre Guido me pede, eu ajudo ele a dar a comunhão aos fiéis. Padre
Guido já devia ter se aposentado, mas com essa falta de vocações, não tem quem
substitua ele na paróquia. Ele às vezes até fica zangado comigo, dizendo que eu
bem que devia ter virado padre, em vez de ter me casado com uma mulher que nem
era lá muito católica.
Desde
esse dia eu fico insistindo para minha senhora ir à missa comigo. Tem domingo
que ela vai, mas tem domingo que não vai. Diz que prefere ir à praia com a
amigas no carro do irmão da LIli. Eu me conformo, pois não gosto de
contrariá-la. Tem sempre o risco de passar uma semana dormindo no sofá da sala.
Mesmo
quando ela vai na missa, sempre arranja um jeito de me tirar do sério. Para não
perder muito tempo, ela já vai com o biquíni por baixo da roupa. E teima em
usar uma blusa bem decotada, que puxa como um ímã os olhos dos homens. Uma vez
eu reclamei e ela respondeu que é que tem? O que é bonito é pra ser mostrado.
Nesse
dia mesmo o Padre Guido me chamou pra ajudar na hora da comunhão. Ele entregava
as hóstias para os fiéis e eu botava a salva de prata para recolher as
migalhas. Para cada hóstia entregue, Padre Guido dizia, quase balbuciando:
corpo de Cristo. Mas não sei o que deu nele quando minha senhora se ajoelhou
para receber a hóstia. Com os olhos arregalados em cima do decote dela, falou
com a voz trêmula: Cristo, que corpo... Deve ser a idade.
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