07 - O perfume da discórdia
O
Dr. Pacheco, como sempre, estava com a razão. Foi melhor mesmo que a Dona
Jackeline voltasse para a repartição dela. Eu voltei a ser o datilógrafo
impecável que todos invejavam, não gaguejava mais quando o Chefe tocava o
interfone, não perdia meu tempo esperando que desse dez horas para a novata
chegar com seus óculos de mosca e aquele perfume que até me dava um pouco de
dor de cabeça.
Um
pouco de dor de cabeça, apenas na repartição. Lá em casa, esse perfume me deu
uma dor de cabeça enorme. A cada vez que passava por trás de minha cadeira,
Dona Jackeline se demorava mais com a barriga colada em minhas costas. Teve até
uma vez que ela se curvou um pouco, dizendo que queria ver o que eu estava
escrevendo, e roçou um dos seios na minha cabeça. Foi nesse dia que a minha
Senhora sentiu um cheiro diferente quando eu entrei em casa.
Que
cheiro é esse? Perguntou a minha Senhora, já com um cabo de vassoura pronto
para me acertar a cabeça. Disse que não sabia de que cheiro ela estava falando,
que eu não tinha pegado ou me encostado em nada que cheirasse mal.
Não
se faça de besta, berrou a minha Senhora, com o cabo de vassoura já amassando
meu nariz. Não estou falando de catinga. Franziu a cara puxando o ar com força
pelo nariz. O que estou sentindo é cheiro de mulher. E acrescentou meio
zombeteira: quero saber que tipo de mulher é capaz de se esfregar em um homem
como você.
Foi
aí que me lembrei da barriga macia de Dona Jackeline amassando minhas costas. E
me veio mais aguda a lembrança do seu seio tocando minha cabeça. Para falar a
verdade, ainda sentia uma leve pressão sobre a parte de trás do cabelo.
Acho
que passei tempo demais entretido com essa lembrança. Devo até ter ficado meio
ausente, indiferente às ameaças do cabo de vassoura que ia e vinha na frente do
meu nariz. Almeida, eu estou falando
com você. Me responda, de quem é esse perfume? Eu nunca menti para minha
Senhora. Sou católico e desde menino minha mãe me ensinou que mentir é pecado.
Não era nessa hora que ia começar a traçar meu caminho para o inferno. É de
Dona Jackeline, respondi. E quem é essa Jackeline, berrou com o cabo de
vassoura pronto para me rachar a cabeça. Uma colega novata lá da repartição,
respondi já com os olhos fechados e a cara contraída esperando a vassourada.
Eu
não acredito no que estou ouvindo, falou com desdém. Quando abri os olhos, ela
estava com as mãos cruzadas sobre a ponta do cabo da vassoura, olhando para mim
com os olhos arregalados. Almeida, falou num tom baixo e incrédulo, você está
me traindo com uma colega da repartição? Meu Deus, essa mulher deve ser cega
para se enxerir para um traste da sua espécie.
Baixei
a cabeça, passei por ela sem olhar, deixei o saco de pão em cima da mesa e
caminhei feito um sonâmbulo para o banheiro. Não tive ânimo para tomar banho.
Já vestido com o pijama, apanhei o paletó para guardar no quarto e senti aquele
resto de perfume que me invadiu as narinas como invadia todo o escritório às
dez da manhã. Passei a mão na parte de trás da cabeça, sem saber muito bem por
que.
porta do quarto estava trancada, a luz apagada. Olhei automaticamente para o
sofá e lá estava o lençol de solteiro. Me deitei abraçado com o paletó e
demorei a dormir com aquele cheiro me lembrando o tempo todo o perigo que
passei com o cabo de vassoura pronto para me rachar a cabeça.
Não
me lembro de ter sonhado com nada, mas acordei com a impressão de que não tinha
dormido só. O paletó, todo amassado, tinha escorrido para o chão. Vou chegar
mal apresentado no trabalho. Mas antes vou pedir ao Padre Guido que me ouça em
confissão.