A certa altura da vida, os
resultados dos exames médicos se transformam em atestados parciais de morte. Cada folha de papel entregue pelo laboratório
se traduz num recado da morte que avança sorrateiramente pelo território do meu
corpo.
Mas esta não é a única forma da
morte se instalar em nossa vida. Não estou certo se foi o Cony, mas certamente
foi um dos mineiros que, falando sobre o envelhecimento, disse que o passar do
tempo vai tornando o mundo cada vez mais despovoado. Chega um momento em que
você não tem mais pra quem telefonar. É a forma de a morte nos atacar, sorrateiramente,
também pelo lado de fora.
Na introdução aos seus “Doze
contos peregrinos”, Gabriel Garcia Marques conta um sonho sobre a sua morte que
deu origem ao livro: ele caminhava alegremente entre os seus melhores amigos no
cortejo do seu próprio funeral. Chegando
ao cemitério, os amigos se despedem e começam a voltar. Quando ele tenta
acompanhá-los, um deles diz que não, ele é o único que não pode voltar. O
escritor então conclui que morrer é não poder mais estar com os amigos.
Por mais que tentemos denegar a
presença da morte em nosso corpo, não podemos ficar alheios aos seus estragos
no mundo dos amigos. E não estou me referindo apenas ao vazio deixado pelo
desaparecimento físico de alguns deles. Muito mais numerosos são aqueles que se
afastam de nós ou nos afastamos deles, muitas vezes sem saber muito bem o
motivo da separação.
Quando me vejo pensando na
morte, sinto-me pouco preocupado com o meu próprio destino numa improvável
sobrevivência imaterial. O que mais me preocupa é o sofrimento involuntário que
irei causar aos amigos sobreviventes. E quando falo amigos, estou me referindo
aos mais variados graus de amizade, desde os familiares mais íntimos até aquele
leitor, distante mas afetuoso, que sempre comenta meus textos pela internet.
Por favor, não me tomem por
mórbido. Apenas estou me habituando aos poucos aos recados da morte. Aprendendo
a conviver com ela. E tudo que mais desejo é que seja uma longa, longuíssima,
convivência.
3 comentários:
A imagem que sempre me vem à mente é a de que estou na maratona, vendo gente cair à minha frente, ao lado e atrás. Agora foi o Nilto Maciel. Quando ele morreu me lembrei imediatamente de que v. me disse, na agência dos correios ali perto do Sebrae, que ficara chocado com o grau de depressão do cearense, ao visitá-lo. Morreu sozinho, o cronista que se dizia rodeado de belas jovens interessadíssimas na literatura.
Coisas da vida.
Solha
Meu caro Rona, você disse tudo de forma precisa e até, poética! Saber lidar com as idéias e transforma-las em palavras e frases é uma forma de imortalidade, sem a desnecessária Academia.
Abração
Guy Joseph
Professor: fazia tempo que não visitava seu blog, coisa de ano, ainda bem que voltei e ainda bem que o senhor ainda está à nos brindar com essas reflexões impagáveis. Que essa convivência seja muito, muito longa.
Brunno Marcondes.
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