A coisa toda
tinha um ar meio decadente. Eu tinha me esquecido de pagar uma taxa de
condomínio que, implacavelmente, foi enviada para cobrança em cartório. No
próprio documento de cobrança o cartório já avisava que a parte do credor tinha
que ser paga através de cheque visado ou cheque administrativo. Pensei que se
tratava de alguma informação caduca que o cartório tinha esquecido de
atualizar. Estava redondamente enganado. Meus cartões de crédito eram inúteis para
enfrentar a exigência burocrática. Dinheiro vivo também não adiantava. Era
cheque, ou nada.
Não sei quem
ainda se lembra do que seja um cheque visado. Para obtê-lo, você tem que ir na
agência bancária onde tem conta e pagar para que eles te entreguem um cheque
todo enfeitado de assinaturas e carimbos, em nome do credor, com o valor já
debitado em sua conta. Uma chateação que iria me levar pelo menos o que me
restava da manhã e um pedaço da tarde. A outra opção, a do cheque
administrativo, se tornou mais atraente. Bastava atravessar a rua, ir numa
agência do banco que podia não ser a minha, e comprar um cheque no valor
devido.
Dei sorte,
pois a agência estava quase vazia e ainda por cima me deram uma senha
preferencial. Eis uma das poucas vantagens de ter ultrapassado a linha vermelha
dos sessenta. E foi exatamente essa aparência de avô desamparado que levou a
moça do caixa a me falar em um tom afetadamente carinhoso: olhe, vai demorar um
pouco, fique ali esperando sentadinho...
Agradeci a
gentileza da moça, mas dispensei o sentadinho. Eu poderia esperar em pé quantas
horas fossem preciso, poderia até me sentar um pouco de vez em quando, mas
sentadinho, não. Ficar sentadinho significa ir para um canto e lá permanecer
quietinho, caladinho, sem causar nenhum incômodo adicional à sua presença
decrépita. E quem me conhece sabe que esta é a última coisa que se deve esperar
de mim.
Imagem obtida em www.wikirio.com.br
3 comentários:
"Sentadinho" é terrível. Já tive uma enfermeira me perguntando, vacina na mão "Qual é o bracinho?"
Deve ser isso a tal de segunda infância.
Solha
JÁ DIZIA O PROFETA: GENTILEZA GERA GENTE LESA
Lembrei daquela história do Mario Quintana:
-Gostei muito do teu poeminha.
-Obrigado pela opiniãozinha.
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