Um folhetim burocrático
10 - Almeidinha, o mendigo
Era
mais de oito horas e a porta da igreja estava fechada. Estranhei, pois, depois
da missa das sete, Padre Guido costuma ficar por ali, na esperança de que
alguém apareça para uma confissão, ou mesmo uma conversa sem muito compromisso.
Ele deve ter dado uma saidinha e volta já. Vou me sentar aqui neste degrau, me
escorar aqui nesta parede e esperar até que ele volte.
O
sol começou a esquentar e eu comecei a suar. O casaco me apertava e as fibras
das mangas me davam uma coceira que só aumentava minha aflição. Olhei para os
lados, não vi ninguém e tomei uma decisão drástica: tirei o casaco.
Com
o passar da manhã, o sol deitou uma sombra no lugar em que me sentei. Meio sem
saber o que fazia, fiz uma trouxa com o casaco, ajeitei entre a cabeça e a
parede e deixei o sono mandar em mim, como todo mundo.
No
mesmo instante me vi sentado em meu birô, batendo na máquina, mas não é nenhum
ofício, petição, ou relatório. É uma carta, na verdade uma poesia que eu escrevo
num papel cor de rosa, e desse papel sai um cheiro que eu conheço. De repente,
entra uma mosca gigante pela porta da repartição voando em minha direção e fica
dando voltas em torno da minha cabeça. Quando ela passa pela frente do meu
nariz, aumenta mais o perfume que antes eu pensei que saía da folha do papel.
Depois de me deixar tonto com suas voltas e seu perfume, a grande mosca pousa no
meu ombro esquerdo. Entro em pânico, pois tenho medo que ela saia dali e voe
para fora da sala. É quando vejo o Dr. Pacheco correr em minha direção gritando
Seu Almeidinha, isso é coisa que se faça na frente dos seus colegas? E bate com
toda força no meu ombro, espantando a mosca e me causando uma pontada de dor.
As
pontadas se repetiam, mas agora não vinham mais das mãos do Dr. Pacheco. Sabia
disto, porque já estava acordado. Só quando abri os olhos pude ver a ponta de
uma vara curta que me cutucava o ombro. Na outra ponta da vara, uma mão
engelhada anunciava um braço magro que levava a um rosto velho de barbas
brancas e uns olhos irados que antecipavam o grito: vá pedir esmola em outro
canto que este ponto aqui é meu. Custei um pouco a entender, mas tudo ficou claro
quando vi algumas moedas e umas poucas cédulas espalhadas em torno de mim.
Meu
Deus, até que ponto eu cheguei. Se estivesse de paletó, garanto que isto não
tinha acontecido. Juntei todo o dinheiro do chão, e entreguei ao seu verdadeiro
dono, repetindo um pedido de desculpas. Ele me olhava assustado, sem entender
muito bem o que se passava. Vi que a porta da igreja estava aberta, mas não foi
para lá que eu corri. Desci de passo apressado a escadaria e saí sem rumo pelas
ruas ensolaradas do bairro.
Aos poucos minhas passadas voltavam ao normal. Sempre andei apressado, mas agora ia devagar pela calçada na direção oposta à da minha casa. Senti uma agonia, uma espécie de vergonha por estar perambulando por ali. Já tinham me confundido com um mendigo. Agora poderiam pensar que eu fosse um vagabundo. Aos poucos, porém, tive que me conformar com a situação. Estava vagabundando, sim. Não tinha ido trabalhar. E estava mendigando, sim. Esperava que alguém me desse a esmola de um perfume. Divagava assim, ao Deus dará, quando, súbito, me dei conta que, na pressa, tinha deixado o casaco nos degraus da igreja. Entrei em pânico e estendi a mão para o primeiro homem que passava: um paletó, pelo amor de Deus.
Aos poucos minhas passadas voltavam ao normal. Sempre andei apressado, mas agora ia devagar pela calçada na direção oposta à da minha casa. Senti uma agonia, uma espécie de vergonha por estar perambulando por ali. Já tinham me confundido com um mendigo. Agora poderiam pensar que eu fosse um vagabundo. Aos poucos, porém, tive que me conformar com a situação. Estava vagabundando, sim. Não tinha ido trabalhar. E estava mendigando, sim. Esperava que alguém me desse a esmola de um perfume. Divagava assim, ao Deus dará, quando, súbito, me dei conta que, na pressa, tinha deixado o casaco nos degraus da igreja. Entrei em pânico e estendi a mão para o primeiro homem que passava: um paletó, pelo amor de Deus.
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