É a quarta vez que começo este
texto. Apaguei as outras versões porque todas as ideias que me ocorreram foram
descartadas por excesso de pessimismo. Reconheço a dificuldade em encontrar um
assunto agradável sem recorrer aos pequenos fatos do cotidiano doméstico. Mal
chegamos a viver os primeiros quinze dias do Ano Novo e tudo nos indica que
vamos continuar no velho mundo de sempre. É isto o que nos querem fazer
acreditar os senhores da economia e da política, desde o mais obtuso vereador
aos mais altos mandatários das grandes potências. Desde o técnico de
contabilidade da esquina, ao mais festejado economista dos grandes
conglomerados financeiros.
Para falar a verdade, nada de
muito grave pode nos acontecer se as coisas caminharem, de fato, de mal a pior,
como dizem e querem os donos do dinheiro do mundo. Nada pode nos acontecer que
já não tenhamos vivido. Se não conseguirmos pagar nossas contas, vão nos tirar
o cartão de crédito, o cheque especial e mandar nosso nome para o Cerasa. Já
vivemos isto nos tempos de Fernando Collor. O governo pode deixar o
funcionalismo público sem reajuste por anos a fio. Fernando Henrique já fez
isto. A inflação pode voltar aos píncaros dos dois dígitos. Isto já aconteceu
no tempo de Zé Sarney. Não vamos nos preocupar com os apagões, pois o País está
caminhando para uma recessão e não vamos precisar de energia para tocar a
produção industrial, do mesmo jeito que aconteceu também nos tempos do FHC. E a
roubalheira que está comendo solta na construção dos estádios para a Copa é só uma
reedição do que se roubou no tempo da construção de Brasília.
Nada,
portanto, de novo. Felizmente, digo eu. Pois o bom e velho sol continua
nascendo todos os dias. Tem o mar enchendo e vazando como faz desde o começo do
mundo. Tem sempre um resto de verde resistindo ao descaso dos poderosos. E tem
os amigos, os antigos e os novos. Tem o pessoal mais querido que ama e briga
com a gente, dependendo da veneta. Tem os livros para ler e reler. Tem os
filmes para assistir, tem música para ouvir e dançar.
Estamos apenas
começando mais um ano. Todo mundo sabia que logo-logo ele deixaria de ser novo.
Vejo o calendário e penso na trabalheira que temos pela frente. Às vezes me dá
um desânimo, mas me lembro que o cronista Antônio Maria se dizia “brasileiro,
profissão: esperança”. Eu que também sou cronista e brasileiro, me sinto também
condenado a esta profissão de alto grau de insalubridade.
Um comentário:
Muito bom professor.
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