Quando assistíamos ao DVD de
abertura do ano cultural dedicado a Sérgio Castro Pinto, denunciei que
Hildeberto Barbosa Filho tinha arrumado suas estantes para gravar o seu
depoimento. Ele engoliu a corda e afirmou veemente que sua biblioteca estava
sempre impecável, como foi mostrada. Isto me veio à mente quando revi o título
“A geometria da paixão”, que encabeça o sumário do livro que reúne sua poesia
desde os idos de 1986, “Nem morrer é remédio”.
Manter uma biblioteca arrumada
requer um esforço tão inútil quanto o de enfeixar paixões em figuras
geométricas. O poeta HBF pode muito bem ser considerado um Sísifo com dupla
jornada de trabalho.
Nunca estive pessoalmente na
biblioteca de Hildeberto, mas sou freqüentador assíduo de sua poesia. O problema
é que o poeta produz muito, produz efusivamente, o que me faz de vez em quando
perder o fio da sua poesia. Mas agora o problema está resolvido. Tudo o que ele
escreveu, pelo menos até uma certa parte do ano passado, está aqui, na minha
frente.
O título do livro deixa o leitor
em dúvida: “Nem morrer é remédio”. Remédio pra quê?, pergunta o leitor. E na
falta de resposta do poeta o leitor tem que seguir sozinho em sua busca. Pra
vida não pode ser, pois, para esta, a morte é, sim, um ótimo remédio. Da mesma
forma que remedia a solidão, a tosse, a falta de dinheiro.
O que a morte não remedia, sugiro
eu, é a busca incessante do poeta, de todos os poetas, de uma forma que dê
conta de toda a sua angústia frente ao mistério do que ele apenas vislumbra na
penumbra dos seus sonhos. E depois de tanto desarrumar seus livros em busca das
palavras que o socorram na construção de tanques geométricos para suas paixões,
o poeta morre de olhos secos e mãos vazias. Mas é aí que nem a morte é remédio.
Morto este poeta, logo outro Sísifo
tomará o seu lugar.