No meio de tanto incentivo ao
sofrimento mundano para a salvação da alma, me chama a atenção a existência de
uma Nossa Senhora dos Prazeres dentre as inúmeras denominações da Virgem pela
igreja Católica. Me interessei pela história e fiquei sabendo (por São Google,
claro), que em Portugal, nos idos de 1590, uma imagem de Maria apareceu sobre uma fonte na quinta dos condes de
Alcântara. Quando a Santa começou a fazer milagres, os proprietários da fonte
levaram a imagem para dentro de casa. Quem já viu pobre ter direito a prazeres
em fontes e terras de ricos? Mas logo a imagem desapareceu para ser encontrada
mais tarde junto a um poço por uma menina sedenta. Foi quando a Madona apareceu
para ela e disse que se construísse uma igreja ali em devoção a Nossa Senhora
dos Prazeres, que viria também a ser conhecida por Nossa Senhora das Sete
Alegrias.
Não tenho o menor interesse pela
classificação que os franciscanos deram aos prazeres da mãe de Jesus, todos
eles ligados à sua imagem imaculada, como se ela não tivesse outros filhos além
do Crucificado e ido a outras festas além das bodas de Caná. A mim me basta que exista uma Santa protetora dos prazeres e
das alegrias.
Mudando um pouco o rumo da prosa,
sempre me diverti com certos compositores que se apressam em louvar o “princípio
do prazer” quando querem dar um certo ar de erudição á pobreza dos seus versos.
O conceito freudiano de prazer é decepcionante: quer dizer que o aparelho
psíquico é regido pelo evitamento ou evacuação da tensão quando esta se torna
desagradável. O melhor exemplo disto é aquela sensação maravilhosa quando
encontramos um banheiro depois de algumas horas de viagem. Nada poético,
portanto, mas bastante prazeroso.
Deixemos, pois, de lado, a
piedade católica e a falta de sal da psicanálise. Cuidemos de nossos prazeres e
alegrias cotidianos que podem ser recolhidos nos momentos mais simples da
contemplação da natureza, das obras de arte, do convívio com nossos semelhantes
e de intimidade com a pessoa amada. E vivamos cada um desses momentos sem culpa
ou remorso, com a atenuante de que até a mais persecutória das instituições
criou uma protetora benevolente que sabe muito bem o valor dos prazeres e das
alegrias.
Um comentário:
Bem, adorei conhecer esta Nossa Senhora! Esta até eu deixo ser Minha Senhora, perdão Nossa!
Se existe aquela escultura escandalosa do extase de Santa Tereza ameaçada com a flexa pelo anjinho cupido, imagina como foi o de Maria ao receber o anjão da anunciação?
Muito divertida e esperançosa esta crônica.
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