Numa entrevista do escritor Mia
Couto, fico sabendo que nos idiomas nativos de Moçambique não existe uma
tradução para a palavra futuro. Para os povos originários daquele país, o
futuro é um território sagrado ao qual não se tem acesso. Comentando isto com
Glória, minha mulher, ela lembrou que esta noção não é alheia à nossa cultura,
pois é comum ouvirmos dizer que “o futuro a Deus pertence”, o que significa
também que está fora do alcance dos desejos humanos.
Não é à toa
que os charlatões de todas as espécies se envolvem numa aura de mistério e
misticismo quando querem ludibriar a boa fé daqueles que desejam saber o que
lhes espera no futuro. Eles precisam causar a impressão de intimidade com o
sagrado para dar credibilidade aos seus vaticínios.
Houve um tempo em que estava em
moda a profissão de futurologista. Eram senhores pós-graduados nas melhores
escolas de economia dos Estados Unidos que tinham por missão dizer aos
sub-desenvolvidos que não existia salvação para nós fora da tutela
norte-americana. Em vez de turbantes e bolas de cristal, usavam enormes
computadores para nos dar a impressão de infalibilidade. Hoje, devem estar
todos desempregados.
Dando
meia-volta em nossa conversa, podemos também dizer que o passado é também um território
sagrado e inacessível. Não é à toa que uma deusa, Mnemosine, guarda as chaves
da nossa memória. Os deuses sabem o quanto nos perturbaríamos se tivéssemos
acesso a cada momento vivido. A perda da memória é uma benção divina. Não
apenas selecionamos os momentos de nossas vidas que merecem ser lembrados.
Somos capazes de criar lembranças que encubram aquelas que podem nos causar
desprazer.
Deixemos aos
deuses esses dois lugares inacessíveis aos mortais e cuidemos da vida presente,
sem mistificações, como queria Drummond. Consolemo-nos com os efêmeros momentos
dos sonhos em que podemos vislumbrar as fronteiras desses territórios sagrados.
Um comentário:
Parabéns pelo texto. Adorei!!
Sempre achei que o futuro não existe.
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