Já livre do quibe, protegeu-se com o cachecol e petrificou-se com a lufada fria que assaltou a cozinha quando abriu a porta para o pequeno quintal lajeado.
Precisou esperar que a vista se acostumasse ao escuro para notar o corpo estendido sobre o limo das lajotas no ângulo esquerdo do quintal. Seria um homem, se não fossem as grandes asas abertas ensopadas da chuva que caiu durante toda a tarde.
Tremeu e cambaleou até a gaveta da petisqueira de onde tirou uma vela e uma caixa de fósforos. Acendeu a vela e voltou para o quintal. Debruçou-se sobre o corpo alado e a mão trêmula deixou cair um pingo de cera sobre o peito do estranho visitante. Dois olhos cinzentos recém abertos pousaram no pulso iluminado pela vela. Ali estava tatuada uma minúscula borboleta.
Você de novo, meu amor?disse o alado, é a segunda vez que você me acorda com um pingo de cera. E fez menção de segurá-la pelo braço. Mas ela fugiu arrastando a manta pelas lajotas molhadas até trancar-se na cozinha. E ali ficou, trêmula, ouvindo os passos cambaleantes que alcançaram a porta. E mais tremeu quando, depois das pancadas na porta, ouviu uma voz estranha, estrangeira, gritar: Psiché... Psiché...
(Escrito em parceria com Marina e Carolina, em Moema, Cidade de São Paulo).
Um comentário:
Que beleza!!!!!!!!!!!!
Fazia tempo que eu desejava uma de suas pérolas. obrigada.
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