A internet nos convida ao exercício da necrofilia exibindo cenas da execução de Saddan Hussein. Tive pudor em assistir os detalhes do enforcamento. Limitei-me ao momento em que o verdugo passava o laço no pescoço do condenado e depois à exibição do corpo já morto envolvido em um lençol branco, o que me obrigou à comparação com uma galinha morta.
Já fui ajudante na morte de muitas galinhas e sempre senti uma espécie de empatia com o bicho que se debatia até o fim para que sua vida não se esvaísse com o sangue que eu batia num prato com vinagre, premeditando a cabidela. Sou, portanto, testemunha antiga da luta de todo animal pela preservação da sua vida. Mas nem eu nem ninguém é capaz de se colocar no lugar de um condenado à morte.
Entreguemos, portanto, a palavra a quem entende do assunto. Chamemos Dostoievski que foi condenado à morte em 22 de dezembro de 1849 pelo czar Nicolau I. Ele sofreu passo a passo toda a agonia dos condenados até ser desamarrado do poste onde já esperava os tiros dos fuzis, indultado pelo próprio czar. Foi dessa experiência que ele falou ao narrar todo o horror do seu personagem Míchkin, de O idiota, contando a execução de um personagem à morte:
“E todavia a dor principal, a mais forte, pode não estar nos ferimentos e sim, veja, em você saber, com certeza, que dentro de uma hora, depois dentro de dez minutos, depois dentro de meio minuto, depois agora, neste instante – a alma irá voar do corpo, que você não vai mais ser uma pessoa, e que isso já é certeza; e o principal é essa certeza”. E arremata: “A morte por sentença é desproporcionalmente mais terrível que a morte cometida por bandidos. Aquele que os bandidos matam, que é esfaqueado à noite, em um bosque, ou de um jeito qualquer, ainda espera que se salvará sem falta, até o último instante... essa última esperança, com a qual é dez vezes mais fácil morrer, é abolida com certeza; aqui existe a sentença, e no fato de que com certeza não se vai fugir a ela reside todo o terrível suplício, e mais forte que esse suplício não existe nada no mundo”.
Não me atrevo a dizer nada depois de Dostoievski. Quis apenas contribuir para a reflexão de cada um sobre a pena de morte. Seja a de Saddan Hussein ou de um garoto barbarizado por dever uma micharia ao narcotráfico.
2 comentários:
Há quem ainda prefira assitir isso como uma espécie de remissão dos pecados do condenado. Esses formam tribunal de juízes sem os direitos humanos.
Muitíssimo interessante o seu blog, meu caro. Eu sou novo neste mundo de blog, e achar blogs inteligentes, e que fujam daquela futilidade comum nos blogs dos aborrecentes filhinhos de papai é mto prazeroso.
Bem, sou contra a pena de morte. E por isso repugno o episódio que envolve o Saddam. Nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida de outro, por pior que esse outro seja.
O sofrimento é pior que a morte, morrer é fácil!
Espero sua visita no meu humilde blog.
Postar um comentário