Faz algum tempo que uma amiga antiga me mostrou uma foto que me tocou profundamente. Numa cama de casal, sobre um lençol branco, seus velhos pais estão deitados. Ela, visivelmente, dorme. Ele não sei, pois está virado para ela, com o braço direito descansando nos ombros da mulher. A impressão é de que vela o sono da velha amada.
Ela dorme serena nos braços do seu amado. A expressão do seu rosto é de entrega e repouso. Sabe que aquele braço que a envolve não é mais capaz de defendê-la da fúria do mundo. Mas sabe que ele a defenderá dos perigos dos seus sonhos. Das agonias de sua alma. Se acordar assustada, ele estará ali para dizer que durma, que está tudo em paz.
Ele, por certo, também sabe que sua força física já não basta para vencer o mundo. Mas o seu braço sobre o ombro dela ainda é capaz de garantir, com a leveza necessária, um sono sem sobressalto. Vela este sono como a sentinela vela o repouso da antiga vila. Insone, em silêncio.
A foto tem um tom azulado, emprestando à cena um ar difuso, como de um rio em que vaga um barco envolto em neblina.
Um rio. O leito é um rio que translada os corpos dos amantes exaustos de tão longo curso.
Um barco. A cama é um barco à deriva cortando já as franjas brancas que anunciam a foz da eternidade.
Um berço. O leito é um berço onde se canta uma canção de ninar ao amor, que o amor é sempre menino.
Rio, barco ou berço, o que tenho em minha frente é a fotografia do amor medido em braças, quadras, léguas de tempo. Contemplo dois amantes, velhos amantes medidos pelo tempo. E o tempo que tinge de azul o espaço exíguo do leito diz seu dito de verdade: estes dois me viveram com amor. Rio, barco ou berço, o leito acolhe agradecido o veredicto do tempo.
Um comentário:
Transitar entre a noite da Menina de Noite e a noite do Leito dos Amantes é om privilégio que só a sua leitura atualizada me concede. Entro nas duas noites e me reencontro com aquela menina que amava a noite para viver seus conhos e planejar seus dias banhados de mar e cirandados pelas marés altas e baixas, assim como os meus dias correndo rio a baixo na barca do tempo. Valeu ver e ser sua leitora e ter os meus PAIS como protagonistas dos seus escritos.
Tereza Barros
Postar um comentário