Na véspera do ano novo, decidimos antecipar a virada para as
nove da noite, aqui em casa. Para justificar o sono coletivo, cada um deu sua
opinião quanto à convenção de se comemorar a passagem do ano à meia-noite do
dia 31. Feito isto, passamos dos aperitivos para o filé ao molho madeira regado
a um bom vinho uruguaio. Depois veio um espumante nacional honesto para um
brinde sem as promessas ridículas que não resistem às primeiras horas do ano
novo.
Como o assunto da convenção do calendário ainda insistisse na
mesa, me ocorreu uma frase de efeito que me pareceu pomposa para a ocasião, mas
decidi pronunciá-la assim mesmo: “o ser humano ainda não está preparado para a
eternidade”.
Um dia depois, a frase ainda me ocupava a cabeça. E com ela
vieram as ideias correntes sobre a necessidade que o homem sente de fracionar o
tempo. É isto: precisamos de separar o tempo em fatias para poder suportar a
sua passagem. Meu filho tem um amigo que fica agoniado vendo um relógio de
parede em que o ponteiro dos segundos desliza direto, sem se deter em cada
traço do mostrador. A grande maioria de nós, mesmo sem a mínima noção do que se
trata, acredita piamente no uso do carbono para determinar a idade dos fósseis
pré-históricos. Como se sabe, a famosa Lucy nasceu a exatos três milhões e
duzentos anos.
Pois é. Não nos contentamos apenas com a contagem miúda dos
nossos anos vividos por aqui. É preciso recuar o mais que possível, é preciso
avançar até os limites da ficção para garantirmos que os anos se seguirão uns
aos outros, com suas estações sucedendo-se rigorosamente.
Só Drummond cansou de ser moderno, querendo então ser eterno.
Nós, o resto dos mortais, não suportamos a eternidade. Mesquinhamente, medimos
o tempo baseados no percurso individual desde o nascimento até uma morte longínqua
e hipotética. Esquecemos que cada dia, cada mês, cada ano, é apenas uma fração
da eternidade a que estamos condenados como espécie, como matéria, como poeira
cósmica. Queiramos ou não, estamos condenados à eternidade.
https://herancajudaica.wordpress.com/2015/09/23/tempo-e-eternidade/