28 novembro 2006

Vítima da seca


Cometi meu primeiro poema comovido pelas fotos da seca estampadas nas páginas marrons da revista O Cruzeiro. Tinha meus oito anos de idade e virei uma espécie de gênio da família. Claro que não vou mostrar o poema para vocês. Guardo a sete chaves o pequeno caderno datilografado por meu pai com os meus poemas de infância. Meus filhos têm ordem expressa de incinerá-lo junto com o autor.
Mas o que mais me encabula até hoje não é a forma do poema, perdoável pela idade do poeta. O que não me perdôo é ter me deixado emocionar por uma reportagem que apresentava como novidade aos meus olhos de menino uma farsa que só fui compreender com o passar do tempo. A seca, a famosa seca, com suas caveiras de boi, seus flagelados, seus retirantes, suas terras calcinadas, seus urubus, é um espetáculo periódico que até hoje a imprensa joga em nossa cara. Espetáculo, sim, com seus atores principais, seus coadjuvantes, seus diretores, seus patrocinadores.
Há pouco tempo uma deputada estadual bradava pelo rádio do carro que era preciso levar ajuda urgente aos nossos irmãos nordestinos que sofrem o flagelo da seca. Queria poder dizer à nobre deputada que se tivessem aplicado honestamente toda a grana destinada a resolver os problemas da seca, os tais irmãos nordestinos estariam irrigando suas terras com água Perrier. Basta somar o que foi anunciado desde a célebre última jóia da coroa de Pedro II até o que foi torrado na discussão bizantina da transposição das águas do São Francisco.
Duvido muito que João Cabral ou Graciliano ainda gastassem tinta e tutano falando de seca no nordeste. Eles sabiam, como eu sei, que a seca é um fenômeno natural, de incidência previsível, e que seus efeitos podem ser combatidos com medidas efetivas e racionais. Fora isto, é um espetáculo competentemente encenado para fornecer bons lucros aos seus eternos gerentes e motivo para lágrimas aos poetas franzinos e inocentes.

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